Reforma aumenta a responsabilidade tributária solidária

Ampliação das situações em que um contribuinte terá de pagar o imposto de terceiros vai requerer mais atenção das empresas

Reforma Tributária ampliou as situações em que um contribuinte pode ter de pagar tributos no lugar de terceiros. A previsão da responsabilidade tributária solidária está na recém-publicada Lei Complementar nº 214/25(LC 214/25), a primeira que regulamentou a reforma. A mudança vai demandar esforços de adaptação das empresas e mais atenção na seleção de parceiros comerciais, sob o risco de as empresas terem de pagar os impostos que seus parceiros não pagaram – no caso, os novos tributos criados, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).

Bianca Mareque, Matheus Moitinho e Vinicius Varela, sócia e associados do Vieira Rezende Advogados, avaliam que a previsão da responsabilidade tributária solidária para o pagamento do IBS e da CBS terá um impacto direto nas operações dos contribuintes e nas estruturas operacionais das empresas envolvidas nas diversas fases da cadeia econômica. “Isso porque a introdução dessas responsabilidades pode gerar novas obrigações de compliance, alterações nas práticas de controle e monitoramento das transações e a necessidade de um maior acompanhamento dos processos fiscais e documentais, de modo a garantir que todas as etapas da operação estejam de acordo com as exigências tributárias, para evitar a responsabilidade solidária pelo não pagamento dos tributos.” Eles acreditam que a implementação da responsabilidade solidária trará desafios substanciais para os sujeitos da cadeia produtiva, principalmente no que se refere à necessidade de adaptação operacional e controle rigoroso das transações comerciais.

Isso porque o contribuinte que não conseguir demonstrar a idoneidade da documentação fiscal relacionada às operações em que atua como fornecedor de mercadorias e serviços ficará com a reputação e a confiança perante seus parceiros comerciais comprometida, o que pode lhe acarretar prejuízos comerciais.

Alice de Abreu Lima Jorge, sócia do Coimbra, Chaves & Batista Advogados, considera que será conveniente e recomendável que as empresas tomem um cuidado adicional nas suas relações comerciais, especialmente em caso de sinal ou indício de conduta inadequada de um fornecedor, cliente ou parceiro – uma vez que será possível aplicar a responsabilidade solidária por condutas que possam ser entendidas como uma contribuição para o descumprimento de obrigações tributárias de terceiros. “Recomenda-se que os particulares mantenham registro de suas operações e das tratativas com terceiros (sejam contrapartes ou parceiros) para demonstrar, se vier a ser necessário, que não houve ação ou omissão de sua parte que tenham contribuído para qualquer irregularidade fiscal.”

Embora a fiscalização do cumprimento das obrigações tributárias seja de competência exclusiva das autoridades administrativas, lembram Júlia Swerts e Anna Flávia Moreira, sócia e associada do Freitas Ferraz Advogados, a atribuição de responsabilidade solidária vai demandar um papel mais ativo de empresas e pessoas físicas na garantia da conformidade fiscal de seus parceiros comerciais. “Por exemplo, uma empresa que importa bens ou contrata serviços provavelmente passará a se preocupar mais com a idoneidade dos documentos fiscais emitidos por seus fornecedores, exigindo comprovação da regularidade da operação. Isso para evitar ser alvo de cobrança de IBS e CBS pela fiscalização.”

Hipóteses de responsabilidade tributária solidária

Além da responsabilidade solidária atribuída às plataformas digitais, outras inúmeras hipóteses estão previstas na redação sancionada pelo Presidente Lula no dia 16/01/2025, que deu origem à LC 214/25 (veja, na entrevista abaixo, a lista de situações que podem dar ensejo a ela).

Ela está presente em várias fases da cadeia econômica, desde a importação de bens e serviços até o transporte e outras operações que envolvem a movimentação de bens e serviços sujeitos ao IBS e à CBS. Serão responsáveis solidários os desenvolvedores ou fornecedores de programas ou aplicativos utilizados para registro de operações com bens ou serviços que contenham funções ou comandos inseridos com a finalidade de descumprir a legislação tributária; aqueles que adquirirem, importarem, receberem, derem entrada ou saída ou manterem em depósito bem ou tomado serviço que não esteja acobertado por documento fiscal idôneo; o transportador, inclusive quando se tratar de empresa de serviço postal ou entrega expressa, nas hipóteses em que o bem transportado estiver desacobertado de documento fiscal idôneo ou quando o transportador efetuar a entrega do bem em local distinto daquele indicado no documento fiscal; o leiloeiro, pelo IBS e pela CBS devidos na operação realizada em leilão. Ela vai afetar também o setor de combustíveis – a responsabilidade solidária chega ao adquirente de combustíveis, desde que o pagamento não tenha sido efetuado por meio de instrumento do split payment.

Possíveis controvérsias jurídicas envolvendo a responsabilidade solidária            

As novas hipóteses de responsabilidade tributária solidária previstas na Lei Complementar nº 214/2025 se valem de expressões e conceitos indeterminados, sujeitos a múltiplas interpretações, o que causa insegurança jurídica e destoa da tradição tributária brasileira, além de contribuir para aumentar a já intensa litigiosidade em matéria tributária no Brasil. Esperamos que os tribunais interpretem a nova legislação sob as lentes dos princípios reitores do direito tributário brasileiro, em especial a legalidade estrita (ou cerrada), que veda interpretações extensivas ou analógicas”, avalia a advogada do Coimbra, Chaves & Batista.

Dentre os pontos que podem gerar controvérsia entre o Fisco e os contribuintes, ela destaca o inciso V do artigo 24 da LC  214/25, que estabelece a possível responsabilização de qualquer pessoa física ou jurídica (ou ainda entidade sem personalidade jurídica) que concorra por atos ou omissões para o descumprimento de obrigações tributárias, por meio da ocultação da ocorrência ou do valor da operação ou mediante abuso de personalidade jurídica. “A definição do que pode ser entendido como uma contribuição para o descumprimento da legislação tributária é questão ainda não estabelecida e que muito provavelmente ensejará divergência entre o Fisco e os particulares.”

Outra discussão que pode ir parar na Justiça é a responsabilização de desenvolvedores ou fornecedores de programas ou aplicativos usados para registro de operações com bens ou serviços que contenham funções ou comandos inseridos com a finalidade de descumprir a legislação tributária (prevista no inciso IV do artigo 24 LC 214/2025): “Quais funções de um aplicativo podem ser entendidas como destinadas a descumprir a legislação tributária? Funcionalidades destinadas a controle gerencial, por exemplo, se enquadrariam nesse conceito, sob o fundamento de que viabilizariam um controle de receitas sem obrigatoriedade de emissão dos respectivos documentos fiscais? Não nos parece razoável uma interpretação alargada desse dispositivo”, afirma a advogada.

Swerts e Moreira, do Freitas Ferraz, avaliam que a responsabilidade e o dever de vigilância atribuídos pela legislação não podem ser ilimitados e tampouco fazer com que o responsável solidário seja imputado por atos sobre os quais não tenha ingerência ou conhecimento. “Caso contrário, a norma que atribui a responsabilidade solidária será considerada inconstitucional e ilegal. Assim, é essencial que as hipóteses de responsabilidade solidária previstas pela LC nº 214/25 sejam interpretadas de forma que não imponham aos particulares o dever de fiscalizar ou denunciar, mas sim o dever de evitar contribuir para a prática de fraudes.” Se bem aplicada – ou seja, se não for estendida para situações em que os responsáveis tributários não tinham conhecimento dos fatos –a norma representará um avanço importante para a promoção da regularidade fiscal, consideram as advogadas.

Os advogados do Vieira Rezende consideram que, de maneira geral, “o texto aprovado reflete um avanço significativo na forma como o sistema tributário brasileiro lida com a responsabilidade pelo pagamento de tributos, buscando maior transparência dos contribuintes e efetividade na arrecadação, principalmente em um cenário econômico cada vez mais digitalizado e globalizado.”

Na entrevista abaixo, os advogados do Coimbra, Chaves & Batista, Freitas Ferraz e Vieira Rezende detalham as situações em que a responsabilidade solidária será aplicada e abordam o que muda para as empresas.


– No âmbito do direito tributário, no que consiste a responsabilidade solidária? 

Alice de Abreu Lima Jorge: A responsabilidade solidária no direito tributário é o instituto que permite que o sujeito ativo da obrigação (Fisco) realize a cobrança do tributo do contribuinte ou de um terceiro cuja obrigação decorra da lei, o que lhe for mais conveniente. Na responsabilidade solidária, o ente público (credor) tem a prerrogativa de exigir o pagamento da dívida de qualquer dos devedores solidários (contribuinte ou terceiro), sem a necessidade de observar uma ordem específica.

O Código Tributário Nacional (CTN) trata dos requisitos para que se possa ter a responsabilidade solidária, a qual pode ser natural (hipótese prevista no artigo 124, I do CTN, cabível nos casos em que há interesse comum de duas ou mais pessoas na situação que traduz o fato gerador da obrigação tributária) ou legal (hipótese prevista no inciso II do CTN, em que a responsabilidade decorre de expressa previsão legal).

A solidariedade natural surge quando duas ou mais pessoas realizam conjuntamente o fato gerador ou possuem um interesse comum nele. O interesse comum do artigo 124, I, do CTN se refere a interesses convergentes e não se aplica a situações em que as partes ocupam polos distintos de uma relação jurídica (como comprador e vendedor, por exemplo).

Por outro lado, a solidariedade legal não depende de participação direta no fato gerador, mas sim de previsão em lei das circunstâncias que atraem a responsabilidade. Contudo, mesmo nos casos de solidariedade legal, parte da doutrina tributária (com a qual concordamos) entende que é preciso haver alguma vinculação do responsável com o fato gerador do tributo. Ele não realiza o fato gerador, mas precisa ter com ele alguma relação que justifique a sua escolha como responsável tributário.

Bianca Mareque, Matheus Moitinho e Vinicius Varela: A responsabilidade solidária é a atribuição, por meio de lei, a uma terceira pessoa (física ou jurídica) que não seja o contribuinte de fato do tributo, mas que possua vinculação com o fato gerador, da responsabilidade pelo pagamento integral da exação, em conjunto com o contribuinte, de modo a facilitar o cumprimento das obrigações fiscais e gerar maior eficiência à arrecadação pela administração tributária.

Júlia Swerts e Anna Flávia Moreira: A responsabilidade tributária, que pode ser solidária ou subsidiária, é uma figura jurídica criada para garantir o efetivo recebimento dos créditos tributários pela Fazenda Pública. Ela ocorre quando a lei designa um terceiro para cumprir a obrigação tributária de alguém que tenha praticado diretamente o fato gerador.

A responsabilidade solidária, prevista no artigo 124 do Código Tributário Nacional (CTN), não admite o benefício de ordem entre os envolvidos. Isso significa que a obrigação pode ser cobrada de qualquer um dos sujeitos passivos: tanto daquele que praticou o fato gerador quanto do terceiro responsável indicado expressamente pela legislação. A responsabilidade solidária se aplica a casos em que as partes envolvidas têm interesse comum na situação que gera a obrigação tributária (inciso I) e a casos em que a lei designa expressamente os responsáveis (inciso II).

Um exemplo de responsabilidade solidária ocorre quando duas pessoas são coproprietárias de um imóvel urbano, sendo ambas responsáveis pelo pagamento do IPTU. Outra situação é quando um serviço é prestado por meio de um consórcio de prestadores, em que cada consorciado responde pelo pagamento do ISS, ainda que o contrato determine a divisão proporcional da obrigação.


– Quais foram as hipóteses de responsabilidade solidária aprovadas no PLP 68/24 e a quem ela afeta, além das plataformas digitais? Os contribuintes serão responsáveis pelo pagamento do IBS e da CBS de terceiros em alguma ocasião? 

Alice de Abreu Lima Jorge: A Lei Complementar 214/2025, decorrente do PLP 68/2024, faz referência expressa às hipóteses de responsabilidade solidária previstas no CTN e na legislação civil e, a par disso, prevê ainda a responsabilidade solidária:

  • das plataformas digitais;
  • daqueles que adquirem, importam, recebem, dão entrada ou saída, mantêm em estoque ou são tomadores de bens ou serviços não acobertados por documento fiscal idôneo;
  • dos transportadores, em relação aos bens desacobertados de documento fiscal idôneo;
  • o leiloeiro, pelo IBS e CBS devidos na operação realizada em leilão;
  • os desenvolvedores ou fornecedores de programas ou aplicativos utilizados para registro de operações com bens ou serviços que contenham funções ou comandos inseridos com a finalidade de descumprir a legislação tributária;
  • qualquer pessoa ou entidade despersonalizada que concorra com seus atos ou omissões para o descumprimento de obrigações tributárias por meio de ocultação da ocorrência ou do valor da operação ou por abuso da personalidade jurídica caracterizado por desvio de finalidade ou confusão patrimonial;
  • o entreposto aduaneiro, recinto alfandegado ou estabelecimento a ele equiparado, assim como o depositário ou despachantes em relação ao bem destinado para o exterior sem documentação fiscal correspondente, recebido para exportação e não exportado, destinado a pessoa ou entidade despersonalizada diferente daquela que o tiver importado ou arrematado ou importado e entregue sem a autorização das administrações tributárias competentes;
  • os rerrefinadores ou coletores autorizados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, pelo pagamento do IBS e da CBS incidentes na aquisição de óleo lubrificante usado ou contaminado.

As normas de responsabilidade tributária previstas na recém-publicada Lei Complementar nº 214/2025 podem atingir uma ampla gama de pessoas, as quais podem vir a ser obrigadas a pagar o IBS e a CBS devidos por terceiros.

Merece especial destaque o inciso V do artigo 24 da nova lei, que estabelece a possível responsabilização de qualquer pessoa física ou jurídica ou ainda entidade sem personalidade jurídica que concorra por atos ou omissões para o descumprimento de obrigações tributárias, por meio da ocultação da ocorrência ou do valor da operação ou mediante abuso de personalidade jurídica. A definição do que pode ser entendido como uma contribuição para o descumprimento da legislação tributária é questão ainda não estabelecida e que muito provavelmente ensejará divergência entre o Fisco e os particulares.

Também tende a ser objeto de controvérsia a hipótese prevista no inciso IV do artigo 24 da Lei Complementar nº 214/2025, que trata da responsabilização de desenvolvedores ou fornecedores de programas ou aplicativos usados para registro de operações com bens ou serviços que contenham funções ou comandos inseridos com a finalidade de descumprir a legislação tributária. Quais funções de um aplicativo podem ser entendidas como destinadas a descumprir a legislação tributária? Funcionalidades destinadas a controle gerencial, por exemplo, se enquadrariam nesse conceito, sob o fundamento de que viabilizariam um controle de receitas sem obrigatoriedade de emissão dos respectivos documentos fiscais? Não nos parece razoável uma interpretação alargada desse dispositivo. Qualquer ferramenta pode ser desvirtuada e utilizada para apoio a práticas de sonegação (até mesmo uma simples planilha do excel pode ser usada para essa finalidade). O possível uso para fins de sonegação não pode ser confundido com a criação de uma ferramenta idealizada para facilitar a sonegação.

Bianca Mareque, Matheus Moitinho e Vinicius Varela: Além da responsabilidade solidária atribuída às plataformas digitais, tipificada no artigo 22, do PLP 68/2024, outras inúmeras hipóteses estão previstas na redação sancionada pelo Presidente Lula no dia 16/01/2025, que deu origem à Lei Complementar (LC) nº 214/25. Dentre as principais, podemos destacar as elencadas abaixo.

De plano, o artigo 24 lista uma série de responsáveis solidários envolvidos na cadeia dos bens e serviços, sendo eles:

(i) aquele que adquire, importe, recebe, dê entrada ou saída ou mantenha em depósito bem, ou toma serviço, que não esteja acobertado por documento fiscal idôneo;

(ii) o transportador, inclusive quando se tratar de empresa de serviço postal ou entrega expressa, nas hipóteses em que o bem transportado esteja desacobertado de documento fiscal idôneo ou quando o transportador efetuar a entrega do bem em local distinto daquele indicado no documento fiscal (destaca-se que a própria empresa pública prestadora de serviço postal pode ser responsabilizada pelo pagamento do IBS e CBS nessas hipóteses, independente da imunidade prevista no §1º do artigo 9º da LC nº 214/2025);

(iii) o leiloeiro, pelo IBS e pela CBS devidos na operação realizada em leilão;

(iv) os desenvolvedores ou fornecedores de programas ou aplicativos utilizados para registro de operações com bens ou com serviços que possuam funções ou comandos que visem descumprir a legislação tributária;

(v) qualquer pessoa física, jurídica ou entidade sem personalidade jurídica que contribua, por ato ou omissão, para o descumprimento de obrigações tributárias, por meio de ocultação da ocorrência do valor da operação, ou por abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial;

(vi) o entreposto aduaneiro, do recinto alfandegado ou do estabelecimento a ele equiparado, do depositário ou do despachante, em relação: ao bem que seja destinado ao exterior e não possua documentação correspondente; ao bem que seja recebido para exportação, mas que não venha a ser exportado; ao bem destinado a pessoa ou entidade sem personalidade jurídica diversa daquela que o tiver importado ou arrematado; ou ao bem importado e entregue sem que tenha sido autorizado pelos órgãos competentes da administração tributária.

A mais, para além dos elencados nos incisos do artigo 24, o § 5º deste dispositivo qualifica como responsáveis solidários pelo pagamento do IBS e da CBS, os rerrefinadores ou coletores autorizados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), na aquisição de óleo lubrificante usado ou contaminado de contribuinte sujeito ao regime regular.

Cumpre destacar que o PLP 68/2024 previa no § 2º, do artigo 36, a responsabilidade solidária do adquirente de bens e serviços, que seja contribuinte do IBS e da CBS pelo regime regular, em operações em que o pagamento ao fornecedor seja realizado por meio de instrumento de pagamento que não permita a segregação e o recolhimento via split payment. No entanto, esta regra do §2º foi vetada na sanção presidencial, de modo a excluir esta hipótese de responsabilidade solidária. Ressalta-se que este veto, assim como os demais, ainda será objeto de análise pelo Congresso Nacional.

Ao tratar das hipóteses de incidência do IBS e da CBS em operações de importação de bens imateriais e serviços, a Lei Complementar estabelece como contribuinte do IBS e da CBS o adquirente. Por sua vez, estabelece no inciso VIII do § 5º do artigo 64 que o fornecedor residente ou domiciliado no exterior é responsável solidário pelo pagamento do IBS e da CBS em conjunto com o contribuinte.

Por sua vez, em relação ao IBS e CBS incidentes em operações de importação de bens materiais, o artigo 74 da LC prevê a responsabilidade solidária:

(i) da pessoa que registra, em seu nome, a declaração de importação de bens de procedência estrangeira adquiridos no exterior por outra pessoa;

(ii) do encomendante predeterminado que adquire bens de procedência estrangeira de pessoa jurídica importadora;

(iii) do representante, no País, do transportador estrangeiro;

(iv) do expedidor, o operador de transporte multimodal ou qualquer subcontratado para a realização do transporte multimodal; e

(v) do tomador de serviço ou o contratante de afretamento de embarcação ou aeronave, em contrato internacional, em relação aos bens admitidos em regime aduaneiro especial por terceiro.

Também será responsável solidário o fornecedor de bens materiais de procedência estrangeira, ainda que residente ou domiciliado no exterior, nas situações de remessa internacional em que seja aplicado o regime de tributação simplificada, conforme determina o artigo 95 da LC nº 214/25.

Ainda em relação às operações com bens materiais objeto de remessa internacional, o artigo 96 define que a plataforma digital, ainda que domiciliada no exterior, será responsável pelo pagamento do IBS e da CBS em relação à operação ou importação que tenha sido realizada por seu intermédio.

Além disso, segundo o artigo 97 da LC nº 214/25, a responsabilidade solidária será estendida ao destinatário da remessa internacional, mesmo não sendo o importador, pelo pagamento dos tributos relativos aos bens materiais advindos do estrangeiro, nos casos em que o fornecedor estrangeiro não esteja inscrito, ou quando os tributos não tenham sido pagos pelo fornecedor no exterior, ainda que inscrito, ou pela plataforma digital.

Outra hipótese de responsabilidade solidária está tipificada no § 5º, do artigo 149, dispositivo este que trata da aquisição de automóveis destinados à taxi ou adquiridos por pessoas com deficiência. Neste sentido, o parágrafo supracitado determina que será responsável solidário o representante legal ou mandatário que venha a adquirir o automóvel em favor das pessoas elencadas no artigo (taxistas ou pessoas com deficiência). De igual modo, são responsáveis pelo tributo que deixar de ser recolhido as clínicas credenciadas a produzir laudo que ateste a deficiência do adquirente do automóvel, caso se comprove a emissão fraudulenta de laudo de avaliação por seus agentes, conforme prevê o artigo 151, §2º da LC 214/25.

A responsabilidade solidária afeta também o setor de combustíveis, tendo o artigo  177 estendido a responsabilidade ao adquirente de combustíveis, desde que o pagamento não tenha sido efetuado por meio de instrumento do split payment. Além disso, conforme inciso III do §1º do artigo 177 da LC nº 214/25, a responsabilidade estende-se aos demais participantes da cadeia econômica que realizarem operações subsequentes à tributação monofásica dos combustíveis, caso exista comprovação de que concorreram para o não pagamento do IBS e da CBS devidos pelo contribuinte.

Por fim, o §1º, do artigo 249, da LC 214/25, atribuiu a possibilidade de responsabilidade solidária ao apostador residente ou domiciliado no Brasil que importe serviços envolvendo concursos de prognóstico por meio virtual, nas hipóteses do artigo 24 da Lei Complementar, tratadas no início da presente resposta.

Uma vez verificadas as hipóteses de responsabilidade solidária na LC nº 214/25, pode-se concluir que os contribuintes do IBS e da CBS poderão, sim, ser responsabilizados solidariamente pelo pagamento do tributo devido por terceiros em várias situações. Essa responsabilidade está atrelada a diversas fases da cadeia econômica, desde a importação de bens e serviços até o transporte, operações por meio de plataformas digitais, e outras operações que envolvem a movimentação de bens e serviços sujeitos ao IBS e à CBS. A responsabilidade solidária implica que esses terceiros poderão ser cobrados pela totalidade do tributo, caso o responsável direto (contribuinte) não efetue o pagamento, sendo crucial a fiscalização e o controle por parte dos envolvidos na cadeia produtiva de bens e serviços.

Júlia Swerts e Anna Flávia Moreira: O artigo 24 da Lei Complementar (LC) nº 214/25 prevê algumas hipóteses nas quais um terceiro será responsável pelo pagamento do IBS e da CBS. Dentre eles, estão:

(a) aquele que importar, receber, der entrada ou saída, manter bem em depósito ou tomar serviço não acobertado por documento fiscal idôneo;

(b) o transportador que transportar bem sem documento fiscal idôneo ou que efetuar a entrega de bem em local distinto daquele indicado no documento;

(c) o leiloeiro na operação realizada em leilão;

(d) os desenvolvedores/fornecedores de programas usados para registrar operações com bens e serviços que contenham funcionalidades para descumprir a legislação tributária.

O artigo 24 também prevê que é solidariamente responsável pelo pagamento do IBS e da CBS aquele que concorrer, ativa ou passivamente, para o descumprimento de obrigações tributárias, por meio de ocultação da ocorrência ou do valor da operação ou abuso de personalidade jurídica, isto é, quando há desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Outras hipóteses específicas de responsabilidade solidária podem ser encontradas nos artigos 36, 64, 74, 95, 97, 149, 151, 177, 249 e 425 da LC nº 214/25.


– A previsão da responsabilidade tributária irá alterar de alguma forma a operação dos contribuintes? Em caso afirmativo, de que forma e quais aspectos passarão a ser observados? 

Alice de Abreu Lima Jorge: A possibilidade de imposição de responsabilidade solidária por condutas que possam ser entendidas como uma contribuição para o descumprimento de obrigações tributárias de terceiros torna conveniente e recomendável um cuidado adicional nas relações comerciais, especialmente em caso de sinal ou indício de conduta inadequada de um fornecedor, cliente ou parceiro. Recomenda-se que os particulares mantenham registro de suas operações e das tratativas com terceiros (sejam contrapartes ou parceiros) para demonstrar, se vier a ser necessário, que não houve ação ou omissão de sua parte que tenham contribuído para qualquer irregularidade fiscal.

Bianca Mareque, Matheus Moitinho e Vinicius Varela: Sim, a previsão da responsabilidade tributária solidária para o pagamento do IBS e da CBS terá um impacto direto nas operações dos contribuintes e nas estruturas operacionais das empresas envolvidas nas diversas fases da cadeia econômica.

Isso porque a introdução dessas responsabilidades pode gerar novas obrigações de compliance, alterações nas práticas de controle e monitoramento das transações e a necessidade de um maior acompanhamento dos processos fiscais e documentais, de modo a garantir que todas as etapas da operação estejam de acordo com as exigências tributárias, para evitar a responsabilidade solidária pelo não pagamento dos tributos.

Além disso, o contribuinte que não conseguir demonstrar a idoneidade da documentação fiscal relacionada às operações em que atua como fornecedor de mercadorias e serviços estará sujeito a prejuízos comerciais significativos, em razão do comprometimento de sua reputação e confiança perante seus parceiros comerciais.

Júlia Swerts e Anna Flávia Moreira: A previsão de responsabilidade tributária pode, sim, impactar a operação dos contribuintes. Embora a fiscalização do cumprimento das obrigações tributárias seja de competência exclusiva das autoridades administrativas, a atribuição de responsabilidade solidária exige que tanto pessoas físicas quanto jurídicas assumam um papel mais ativo na garantia da conformidade fiscal de seus parceiros comerciais. Por exemplo, uma empresa que importa bens ou contrata serviços provavelmente passará a se preocupar mais com a idoneidade dos documentos fiscais emitidos por seus fornecedores, exigindo comprovação da regularidade da operação. Isso para evitar ser alvo de cobrança de IBS e CBS pela fiscalização.

As situações de responsabilidade por ocultação da ocorrência ou do valor da operação abuso de personalidade jurídica (previstas no inciso V do artigo 24 da LC nº 214/25) têm gerado debates sobre a legalidade da transferência (da Administração Pública para os administrados) da obrigação de coibir fraudes, a desproporcionalidade dessa imposição e a possível violação dos princípios da capacidade contributiva e da razoabilidade. Por outro lado, não há dúvida de que os avanços tecnológicos modificaram o acesso à informação, sendo que, em casos em que as fraudes só foram viáveis devido à colaboração consciente do sujeito solidário, a ausência de responsabilidade pode ser questionada sob a ótica do interesse coletivo.


– Como você avalia o texto aprovado?

Alice de Abreu Lima Jorge: As novas hipóteses de responsabilidade tributária solidária previstas na Lei Complementar nº 214/2025 se valem de expressões e conceitos indeterminados, sujeitos a múltiplas interpretações, o que causa insegurança jurídica e destoa da tradição tributária brasileira, além de contribuir para aumentar a já intensa litigiosidade em matéria tributária no Brasil. Esperamos que os tribunais interpretem a nova legislação sob as lentes dos princípios reitores do direito tributário brasileiro, em especial a legalidade estrita (ou cerrada), que veda interpretações extensivas ou analógicas.

Bianca Mareque, Matheus Moitinho e Vinicius Varela: O texto aprovado no PLP 68/2024, sancionado em janeiro de 2025, apresenta inovações relevantes no âmbito da responsabilidade tributária solidária no sistema do IBS e da CBS, representando um avanço no combate à inadimplência tributária no Brasil. Ao avaliar o texto aprovado, é possível identificar tanto aspectos positivos quanto desafios e impactos para os contribuintes e para o sistema tributário como um todo.

Um dos principais pontos positivos é que o aumento da responsabilidade fiscal fortalece o controle da arrecadação tributária e busca reduzir a evasão fiscal. A possibilidade de responsabilizar intermediários, plataformas digitais e outros atores da cadeia econômica contribui para uma maior efetividade na arrecadação dos tributos e ajuda a garantir que todos os envolvidos no processo de produção e comercialização de bens e serviços fiscalizem o cumprimento das obrigações fiscais pelos fornecedores e parceiros comerciais.

Outra contribuição importante do texto é a previsão da responsabilidade solidária em operações de importação e em transações com plataformas digitais internacionais, o que facilita a arrecadação em um cenário globalizado, no qual o comércio eletrônico e as transações internacionais são crescentes.

No entanto, há desafios e potenciais impactos decorrentes dessas mudanças. A introdução de múltiplos responsáveis solidários exigirá que os contribuintes adotem sistemas de compliancerobustos e invistam em auditorias fiscais especializadas, o que pode resultar em custos adicionais às suas operações. Empresas de diversos setores terão que adaptar suas operações, especialmente aquelas que lidam com múltiplos intermediários ou com plataformas digitais, gerando desafios significativos, especialmente para pequenas e médias empresas que não possuem a estrutura necessária para implementação dessas práticas.

Além disso, a exigência de comprovação de idoneidade fiscal pode resultar em penalidades comerciais graves para aqueles que, sem querer, falharem em garantir que todos os envolvidos na cadeia estejam em conformidade. Isso implica um risco adicional de ser responsabilizado por falhas tributárias de terceiros, como fornecedores ou parceiros comerciais. Será necessário um esforço contínuo de capacitação e treinamento para que os contribuintes e seus colaboradores possam entender e cumprir as novas exigências fiscais, o que exigirá investimento em treinamento especializado para garantir que todas as áreas da empresa, principalmente as de compliance e contabilidade, estejam atentas aos detalhes documentais das operações.

Desse modo, pode-se concluir que, de maneira geral, o texto aprovado reflete um avanço significativo na forma como o sistema tributário brasileiro lida com a responsabilidade pelo pagamento de tributos, buscando maior transparência dos contribuintes e efetividade na arrecadação, principalmente em um cenário econômico cada vez mais digitalizado e globalizado. No entanto, sua implementação trará desafios substanciais para os sujeitos da cadeia produtiva, principalmente no que se refere à necessidade de adaptação operacional e controle rigoroso das transações comerciais.

Júlia Swerts e Anna Flávia Moreira: A responsabilidade e o dever de vigilância atribuídos pela legislação não podem ser ilimitados, nem podem fazer com que o responsável solidário seja imputado por atos sobre os quais não tenha ingerência ou conhecimento. Caso contrário, a norma que atribui a responsabilidade solidária será considerada inconstitucional e ilegal. Assim, é essencial que as hipóteses de responsabilidade solidária previstas pela LC nº 214/25 sejam interpretadas de forma que não imponham aos particulares o dever de fiscalizar ou denunciar, mas sim o dever de evitar contribuir para a prática de fraudes.

Nesse contexto, a previsão do inciso V, alíneas ‘a’ e ‘b’, do artigo 24 da LC nº 214/25 deve ser aplicada apenas em casos de ação ou omissão conscientes, nos quais o responsável contribui, de forma ativa, para ocultar a ocorrência ou o valor da operação, ou para o abuso de personalidade jurídica. Essa responsabilidade não deve ser estendida a situações em que os responsáveis tributários não tinham conhecimento dos fatos, não sendo, portanto, passíveis de responsabilização.

Isso se deve ao fato de que, para que a norma seja válida, é imprescindível a prática dolosa. Caso contrário, haverá violação da Constituição e do artigo 128 do Código Tributário Nacional. Considerando esses parâmetros, a norma representa, na verdade, um avanço importante para a promoção da regularidade fiscal.

Fonte: Capital Aberto

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