Reforma tributária avança ao afastar a responsabilização pelo mero pertencimento a um grupo econômico
A experiência brasileira de cobrança dos créditos tributários devidos e não pagos tem se revelado pouco eficaz, sendo uma das principais razões deste insucesso a incapacidade econômica do contribuinte pessoa jurídica, a qual tenta ser contornada pelas autoridades fiscais por meio de diversos instrumentos. Um desses mecanismos é a atribuição de responsabilidade tributária solidária entre empresas pelo simples fato de pertencerem a um mesmo grupo econômico.
A responsabilização nesse contexto surge de uma argumentação sem adequado respaldo jurídico no ordenamento vigente. Segundo o artigo 121 do Código Tributário Nacional (CTN), entende-se que o sujeito passivo da obrigação tributária pode ser o contribuinte, que possui uma relação direta e pessoal com o fato gerador, ou o responsável, que é legalmente obrigado ao pagamento, mesmo sem ter realizado o fato gerador. Embora o dispositivo pareça conferir ao legislador certa liberdade para atribuir responsabilidade a qualquer pessoa física ou jurídica, essa interpretação deve ser feita em conjunto com o artigo 128 do CTN, o qual exige que referida responsabilização seja respaldada por uma lei expressa e que exista um vínculo entre a pessoa responsabilizada e o fato imponível.
Note-se que a obrigatoriedade de disposição expressa por meio de lei garante a segurança jurídica e previne abusos por parte dos entes tributantes, demonstrando a preocupação do legislador em garantir um ambiente tributário estável e seguro no que diz respeito à responsabilidade. Além disso, a exigência de um vínculo com o fato gerador do tributo busca assegurar a observância dos princípios da capacidade contributiva e da vedação ao confisco.
No âmbito dos grupos econômicos, portanto, eventual responsabilização de uma sociedade deve estar associada à sua atuação concreta no fato imponível, atuação esta que não pode ser presumida em razão do mero pertencimento a um grupo de sociedades.
Com a Reforma Tributária e a recente aprovação do PLP 68/2024, surge a questão: como a legislação que regulamenta o IBS e da CBS trata este assunto?
Felizmente, o parágrafo 3º do artigo 24 do PLP 68/2024 estabelece que “não enseja responsabilidade solidária a mera existência de grupo econômico quando inexistente qualquer ação ou omissão que se enquadre no disposto no inciso V do caput deste artigo”. Este inciso, por sua vez, prevê a responsabilidade solidária para qualquer pessoa física, jurídica ou entidade sem personalidade jurídica que concorra para o descumprimento de obrigações tributárias por meio de ocultação da ocorrência ou do valor da operação, ou abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.
A previsão expressa da participação em um grupo econômico não resultar automaticamente em responsabilidade tributária solidária representa uma importante vitória para os contribuintes, pois, como dito, a medida é comumente praticada pelas autoridades fiscais.
Historicamente, o artigo 124, inciso I do CTN tem sido utilizado sob a suposição de que o interesse comum estaria presente pelo fato das empresas pertencerem a um mesmo grupo econômico. Todavia, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem consolidado o entendimento de que o “interesse comum” mencionado no dispositivo se refere a um interesse jurídico, e não um interesse econômico, moral ou social, que se concretiza por meio da realização conjunta do fato gerador. Portanto, a simples participação em um mesmo grupo econômico não atrai, por si só, responsabilidade tributária.
Apesar do progresso alcançado, é importante notar que o texto utiliza a expressão “responsabilidade solidária”. Essa escolha pode abrir espaço para a interpretação de que não há proibição quanto à atribuição de responsabilidade tributária subsidiária nesses casos, o que não se trata apenas de uma questão semântica.
Recorrendo aos conceitos do Direito Civil, a solidariedade estabelece como cada um dos devedores responde pelo débito. Em situações de solidariedade, todos os devedores são responsáveis pela totalidade da obrigação, permitindo que o credor possa acionar qualquer um deles sem benefício de ordem. Por outro lado, na subsidiariedade, aplica-se o benefício de ordem, significando que o terceiro somente será chamado a responder se a obrigação não tiver sido adimplida pelo devedor principal.
Note-se, pois, que a solidariedade disciplina a relação entre os devedores, enquanto a responsabilidade tributária define, de forma geral, quem deve arcar com o tributo devido. Ato contínuo, “a solidariedade tributária não é forma de inclusão de terceiro na relação jurídica tributária, mas grau de responsabilidade dos coobrigados”, sempre demandando uma norma de responsabilidade tributária prévia.
Desse modo, o legislador perdeu a oportunidade de abordar a questão de forma ampla, evitando qualquer tipo de responsabilização tributária com base apenas no fato de pertencer a um grupo econômico.
Nada obstante, a limitação da responsabilização à prática de atos ilícitos destaca a importância do elemento dolo, cuja constatação se revela essencial diante da disposição normativa.
De fato, há consenso de que tentativas de mascarar a realização do fato gerador, impossibilitar o adimplemento da obrigação, abusar da personalidade jurídica, entre outras condutas ilícitas, devem ser reprimidas pela lei. É inadmissível que o direito ignore situações em que um sujeito viola direitos alheios ou abusa de direito próprio para causar prejuízos a terceiros e à sociedade.
Entretanto, atualmente existe considerável confusão a respeito de quais normas fundamentariam este tipo de responsabilização. Em muitos casos, chega-se a considerar o art. 124, I, do CTN, que se refere apenas à realização conjunta do fato gerador, situação inequivocamente lícita.
Apesar disso, o PLP 68/2024 optou pelo caminho mais correto, trazendo critérios claros para evitar abusos.
Neste particular, cumpre relembrar que o artigo 124, inciso II do CTN, que continuará em vigor, é frequentemente interpretado pelas autoridades fiscais como um “cheque em branco” para imputar responsabilidade solidária aos contribuintes. Isso ocorre porque o texto prevê serem solidariamente responsáveis “as pessoas expressamente designadas por lei”. Com base nesse dispositivo, o legislador ordinário positivou o artigo 30, inciso IX da Lei nº 8212/91, que determina que as empresas de um mesmo grupo econômico respondem pelos débitos previdenciários umas das outras simplesmente em razão desse pertencimento.
Contrastando com essa disposição, no que diz respeito ao IBS e à CBS, o simples pertencimento a um grupo econômico não justificará a responsabilidade solidária. Eventual responsabilização dessas empresas exigirá que a autoridade fiscal fundamente e prove a existência de condutas omissivas ou ativas, diretas ou indiretas, com intenção de cometer fraudes.
Pelo exposto, a exclusão da mera existência de grupo econômico como fator de responsabilização, bem como a limitação de eventual responsabilidade ao cometimento de atos ilícitos são avanços importantes para os contribuintes que seguem esperançosos de que a Reforma Tributária propiciará um ambiente mais seguro para o desenvolvimento de seus negócios.
Fonte: JOTA