Precatórios e sociedades de economia mista: uma perspectiva interdisciplinar no Direito e Economia

Em decisão recente [1], o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, por meio de sua 7ª Turma, negou provimento ao agravo de petição interposto pela Companhia de Engenharia de Tráfego do Rio de Janeiro (CET-Rio), que buscava enquadrar o pagamento da execução no regime de precatórios. Fundamentada no Tema 253 do Supremo Tribunal Federal [2], a relatora, desembargadora Raquel de Oliveira Maciel, destacou que a reclamada, como sociedade de economia mista, não atende integralmente os critérios para equiparação à Fazenda Pública. Entre os fatores analisados, apontou-se que a CET-Rio, embora vinculada ao município e prestadora de serviços públicos essenciais, em seu estatuto permite a exploração de atividades de natureza concorrencial, além de prever a obtenção de lucro e distribuição de dividendos em seu estatuto social. Tais características afastam a possibilidade de aplicação do regime de precatórios. Essa decisão representa uma mudança de paradigma na jurisprudência da primeira instância do TRT-1 para casos envolvendo sociedades de economia mista [3].

A decisão reafirmou que o pagamento deverá ocorrer pelo rito padrão da execução trabalhista, permitindo a ativação de sistemas como o Sisbajud para garantir o cumprimento da obrigação. A relatora ressaltou que, embora o STF tenha estabelecido parâmetros para a aplicação do regime de precatórios a sociedades de economia mista, a realidade estatutária da CET-Rio não se alinha às condições exigidas, como atuação exclusiva em regime não concorrencial e sem fins lucrativos. Assim, o Tribunal manteve a decisão de primeira instância, reforçando o compromisso com a celeridade na satisfação do crédito trabalhista e o objetivo social da Justiça do Trabalho.

Desenvolvendo o caso acima, ele se torna exemplo emblemático de como a natureza híbrida das sociedades de economia mista desafia as fronteiras do Direito Administrativo, Societário e Trabalhista, fazendo com que uma abordagem fundamentada na Análise Econômica do Direito possa ser a solução.

O debate sobre o regime de precatórios aplicado à CET-Rio destaca a dualidade das empresas de economia mista, que, embora sigam princípios administrativos voltados ao interesse público, também precisam cumprir normas societárias que regulam sua estrutura interna, suas relações trabalhistas e sua atuação no mercado.

Enquanto o Direito Administrativo busca garantir que as empresas de economia mista atendam à sua função pública, o Direito Societário evidencia que, ao prever distribuição de lucros e permitir a participação de acionistas privados, elas são empresas privadas em sua essência. Essa dualidade cria tensões que impactam várias áreas da Regulação, uma delas é o próprio Direito Trabalhista, pois o regime de execução de dívidas trabalhistas deve considerar se a empresa é verdadeiramente uma extensão da Fazenda Pública ou uma entidade que opera em condições de mercado.

Embora as empresas de economia mista integrem a administração pública indireta e desempenhem funções de interesse público, sua natureza jurídica híbrida as aproxima do setor privado em diversos aspectos. Essa dualidade reflete-se nas relações trabalhistas, em que os empregados, apesar de serem admitidos por concurso público, não possuem o status de servidores públicos e, portanto, não têm direito à estabilidade prevista no artigo 41 da Constituição [4]. Assim, os vínculos laborais desses trabalhadores são regidos exclusivamente pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o que reforça sua condição de empregados comuns, sujeitos às normas e aos regimes aplicáveis ao setor privado [5]. A intersecção entre os ramos do Direito Administrativo, Societário e Trabalhista desafia a aplicação de conceitos rígidos e exige uma interpretação contextual que contemple as implicações econômicas e sociais das decisões judiciais.

Critérios para a aplicação do regime de precatórios

A aplicação do regime de precatórios, previsto no artigo 100 da Constituição Federal, foi concebida para proteger o equilíbrio fiscal das Fazendas Públicas, garantindo a solvência do Estado e priorizando dívidas de natureza alimentícia. Contudo, a extensão desse regime a sociedades de economia mista que competem no mercado cria sérios riscos de distorções econômicas, externalidades negativas [6] e favorecimentos indevidos.

Permitir que empresas de economia mista utilizem prerrogativas próprias do regime de precatórios, quando parcialmente financiadas por acionistas privados e operando em regime concorrencial, compromete o princípio da igualdade no mercado. Ao tratar uma entidade que desempenha atividades econômicas sob as mesmas condições de empresas privadas como parte da administração pública, cria-se um ambiente propício ao favorecimento e à ineficiência. Além disso, a interferência estatal direta na economia, ao privilegiar essas empresas com benefícios reservados às Fazendas Públicas, gera externalidades negativas, prejudicando a concorrência leal e desincentivando a eficiência do setor privado. O mercado deve prevalecer diante de empresas de economia mista, pois elas são regidas como entidades privadas para evitar distorções que comprometem a confiança pública, a segurança jurídica e a integridade econômica.

Por isso, a aplicação do regime de precatórios a sociedades de economia mista, conforme o STF, requer que essas entidades atendam cumulativamente a critérios de exclusividade, não concorrência, ausência de finalidade lucrativa e controle estatal [7]. Quando tais características são observadas cumulativamente, essas empresas deixam de ser, de acordo com o STF, efetivamente parte do mercado privado e passam a se assemelhar a órgãos da administração indireta, comprometendo, portanto, sua finalidade empresarial. Essa transição da esfera privada para a pública desvia a natureza jurídica das sociedades de economia mista, enquadrando-as às prerrogativas da Fazenda Pública.

Proteção dos direitos dos trabalhadores

No caso em análise, a CET-Rio alegou que era entidade prestadora de serviço público essencial e não concorrencial, sem distribuição de lucro e dependente economicamente do Município do Rio de Janeiro, conforme as exigências do STF para enquadramento no regime precatório. Contudo, conforme a decisão da 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região afirmou: o estatuto social da CET-Rio demonstrou que sua atuação vai além da prestação de serviços públicos essenciais, não sendo limitada a um regime de exclusividade e que os artigos 49 e 50 do estatuto estabelecem a possibilidade de obtenção de lucro e distribuição de dividendos. Logo, o que foi decidido é que ainda que a empresa de economia mista não lucre (por sua pura ineficiência), não tenha concorrência (pois o município unicamente só a contrata para tal serviço) e ainda está sob a égide do controle organizacional do município (por não ter outro cliente e ele ser o sócio majoritário), todas estas características são mutáveis de acordo com o seu próprio desempenho e regras estatutárias como qualquer empresa privada.

Essa análise também evidencia um olhar crítico sobre como os direitos trabalhistas são protegidos no contexto das sociedades de economia mista. A CLT prioriza a celeridade e a efetividade na execução de créditos trabalhistas, reconhecendo o caráter alimentar dessas verbas. Ao afastar a aplicação do regime de precatórios, o TRT-1 reafirma a importância de proteger os direitos dos trabalhadores sem permitir que prerrogativas de natureza pública sejam utilizadas para atrasar pagamentos ou enfraquecer a proteção social. Essa decisão reflete um equilíbrio necessário entre a tutela dos direitos individuais e a observância das normas constitucionais que regulam a atuação das empresas públicas e de economia mista.

Em conclusão, limitar a análise de decisões envolvendo sociedades de economia mista à perspectiva jurídica é um equívoco, especialmente diante de questões que expõem a delicada e impactante intervenção estatal na economia. Empresas como a CET-Rio, ao transitar entre o público e o privado, criam um terreno fértil para distorções como favorecimentos e ineficiência, afetando negativamente a concorrência e o equilíbrio econômico. A Análise Econômica do Direito demonstra que a prevalência de princípios de mercado é essencial para evitar essas externalidades negativas e garantir que tais entidades atuem sob as mesmas regras das empresas privadas, promovendo eficiência e Justiça. Ao afastar o regime de precatórios para as empresas de economia mista que não se enquadram no determinado pelo STF, a decisão judicial não apenas protegeu os trabalhadores, mas também reafirmou a necessidade de que o mercado seja o principal regulador das atividades econômicas, assegurando que a interferência do Estado não comprometa a integridade e a funcionalidade da economia.

Fonte: Conjur

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