O Imposto Seletivo (IS), em razão da Constituição, não incide sobre exportações. A versão do Projeto de Lei Complementar (PLP) 68 aprovada pelo Congresso Nacional — agora Lei Complementar (LC) nº 214/2025 — refletindo a imunidade constitucional, elencava no inciso I do artigo 413 a não incidência do IS sobre exportações, ao lado das imunidades sobre operações com energia elétrica e com telecomunicações e operações com bens e serviços cujas alíquotas de IBS e CBS sejam reduzidas.
O Poder Executivo optou por vetar o inciso I do artigo 413, entendendo que ele seria aplicável também a bens minerais extraídos, em suposto descompasso com o §6º do artigo 153 da Constituição, que determina a incidência do IS sobre bens minerais na extração, “independentemente de sua destinação”.
Portanto, vale a análise se o referido veto é capaz de produzir o efeito anunciado pelo Poder Executivo, ou seja, que o IS incida sobre as exportações de bens minerais. Além disso, a proposta é avaliar se o veto seria efetivamente necessário para que tal efeito fosse produzido.
Preliminarmente, deve-se esclarecer o conceito de bens minerais na LC nº 214/2025. O artigo 409 do texto legal afirma a instituição do IS sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Seu §1º indica que consideram-se prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente os bens e serviços listados no Anexo XVII da mesma lei, bem como o carvão mineral. Referido anexo classifica como bens minerais sujeitos ao IS os produtos das NCM 2601, 2709.00.10, 2711.11.00 e 2711.21.00, isto é, minérios de ferro e seus concentrados, óleos brutos de petróleo, gás natural liquefeito e em estado gasoso. Para esses bens, o IS terá alíquota máxima de 0,25%, a ser definida em lei ordinária, nos termos do artigo 422, §2º, da LC nº 214/2025.
Veto inútil
Feita essa introdução, voltemos ao veto ao inciso I do artigo 413 da lei complementar.
Se a intenção do Poder Executivo, ao vetar o inciso I do artigo 413, era determinar que o IS incidisse sobre as exportações minerais, trata-se de veto inútil, por duas razões:
– Economicamente, a versão do PLP 68 aprovada pelo Congresso Nacional já onerava as exportações minerais, porque o IS incidirá antes, na extração, mesmo que o produto extraído seja exportado;
– O veto não muda o critério temporal da hipótese de incidência do IS sobre bens minerais, que continua sendo a extração, e não a exportação, tampouco muda a base de cálculo, que é o valor de referência do produto mineral bruto extraído.
O PLP 68, na versão aprovada pelo Congresso Nacional, determina a incidência do IS sobre bens minerais no momento da extração. Esse ponto está inteiramente presente na LC 214/2025 e não foi alterado por qualquer veto. As exportações desses produtos serão economicamente oneradas pelo IS incidente no momento da extração, por mais que não sofram uma nova incidência no ato em si da exportação.
O que houve na aprovação do PLP 68, conforme se passa a expor, foi tão somente uma alteração da base de cálculo em relação à versão originalmente aprovada pela Câmara. A versão final determinou que o valor de mercado do produto extraído é a base de cálculo, ao passo que a Câmara, anteriormente, determinava que a base seria o valor de mercado do produto mineral exportado, do produto mineral consumido ou do produto mineral transferido em operação não onerosa.
Essa dinâmica normativa do IS, na versão aprovada pelo PLP 68, não era de forma alguma afetada pelo inciso I do artigo 413, vetado pelo Poder Executivo. Aliás, o inciso I do artigo 413 era norma de caráter expletivo, por tão somente reproduzir mandamento constitucional plenamente eficaz (imunidade). Seu veto, portanto, não altera o sistema jurídico.
Fato gerador
Vejamos esses pontos de forma mais detalhada.
O Senado reformou a versão do PLP 68 que havia sido aprovada inicialmente pela Câmara no que se refere ao IS sobre bens minerais. Na versão da Câmara, os momentos de ocorrência do fato gerador do IS e respectivas bases de cálculo eram:
1. a primeira comercialização do bem, para a qual a base de cálculo é o valor de venda;
2. a arrematação em hasta pública, onde a base de cálculo é o valor de arremate;
3. a transferência não onerosa de bem mineral extraído ou produzido, tendo por base de cálculo o valor de referência do bem, estipulado com base em parâmetros de mercado, uma vez que não há um valor de transação direta;
4. a incorporação do bem ao ativo imobilizado, cuja base de cálculo era o valor contábil de incorporação;
5. a exportação de bem mineral extraído ou produzido, tendo por base o valor de referência do produto exportado; ou
6. o consumo do bem pelo produtor-extrativista ou fabricante, sendo a base o valor de referência do produto consumido.
Nenhum desses critérios se amoldava à regra de competência no que tange aos bens minerais. A Constituição restringiu os critérios temporais: a produção, a extração, a comercialização ou a importação de bens prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Arrematar, exportar, transferir, incorporar ao ativo e consumir (transformação industrial) não são temporalidades admitidas pelo texto constitucional. A consequência desse equívoco era a eleição de bases de cálculo igualmente equivocadas, que não mensuravam, no caso dos bens minerais, a única grandeza possível a ser tributada pelo IS: o valor do bem mineral bruto, no momento da extração — quando ocorre o fato gerador.
Diante dessa constatação, o Senado corrigiu o problema criado pela Câmara. O trecho a seguir, do relatório do senador Eduardo Braga, evidencia com clareza o exposto até aqui. A opção do Senado foi definir que apenas a extração será fato gerador do IS sobre bens minerais e que a incidência tributária independe do fato de o bem mineral ser posteriormente exportado, uma vez que o IS incide antes, na extração. Confira-se:
“Fixamos a extração como o fato gerador no caso dos bens minerais, deixando claro que, conforme dispõe a Constituição Federal (art. 153, § 6º, VII), o imposto será cobrado independentemente da destinação, o que autoriza sua incidência sobre os produtos, ainda que exportados. Friso que, quando da apresentação do nosso Parecer (SF) nº 88, de 2023 – CCJ, sobre a PEC nº 45, de 2019, que deu origem à EC nº 132, de 2023, destacamos que o objetivo desse comando foi, justamente, onerar a extração de bem mineral em qualquer situação, mesmo quando destinado ao exterior.”
Correção do Senado prevaleceu
A correção promovida pelo Senado prevaleceu na versão final do PLP 68 e na LC 214/2025.
O artigo 412 da LC 214/2025 determina que “considera-se ocorrido o fato gerador do Imposto Seletivo” em oito diferentes momentos, sendo um deles o “momento da extração mineral” (inciso V). Nenhum dos momentos eleitos para a ocorrência do fato gerador corresponde à exportação.
Já o artigo 414 da LC 214/2025 estabelece as diferentes bases de cálculo para o IS, que variam conforme o critério temporal estabelecido no artigo 412. Importa notar, de acordo com a alínea ‘b’ do inciso III do artigo 414, que a base de cálculo do IS será “o valor de referência na extração de bem mineral”.
Ou seja, no caso dos bens minerais, o fato gerador ocorre no momento da extração e a sua base de cálculo será o valor de referência do bem mineral extraído (bruto, portanto). De acordo com o §2º do artigo 414 da lei complementar, ato do chefe do Poder Executivo da União definirá a metodologia para o cálculo do valor de referência, com base, entre outros, em cotações, índices ou preços vigentes na data do fato gerador, em bolsas de mercadorias e futuros, em agências de pesquisa ou em agências governamentais.
Fica claro que a LC 214/2025 determina que o fato gerador ocorre na extração, em relação aos bens minerais. Não existe hipótese de incidência do IS no momento das exportações, como previa a versão originalmente aprovada pela Câmara, cujo efeito era a adoção do valor de referência do produto mineral exportado como base.
Incidência do IS na extração
O veto ao inciso I do artigo 413 do PLP 68, portanto, é inútil: ele não altera os artigos 412 e 414, que determinam claramente a incidência do IS na extração, ao valor de referência do produto mineral extraído. E esses mesmos dispositivos não desoneravam o IS na hipótese de o produto extraído, que sofre a incidência, ser posteriormente exportado.
Ele se volta contra um falso problema e não muda o cenário normativo aprovado pelo Congresso Nacional em relação aos bens minerais.
Dito isso, é certo que haverá contencioso em relação aos bens minerais exportados. E isso não se deve ao veto do Poder Executivo, e sim aos artigos 412 e 414 da LC 214/2025, que não excluem da incidência do IS os bens minerais exportados.
O artigo 153, VIII, §6º da Constituição dispõe que, quando cobrado no momento da extração, o IS terá alíquota máxima de 1% sobre o valor de mercado do produto e incidirá a despeito de qual seja a destinação do bem extraído.
Portanto, a questão que se coloca é saber o que significa a autorização de incidência a despeito da destinação do bem extraído, uma vez que o §6º, inciso I, do artigo 153 determina, como regra geral, a não incidência do IS sobre exportações.
Diferença tributária
Não é possível interpretar a expressão “independentemente da destinação” como uma exceção à regra geral de não incidência do IS sobre exportações. Essa expressão deve ser lida à luz do artigo 152 da Constituição, que veda se estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino. Em termos práticos, o conteúdo normativo dessa norma implica que o IS não poderá ter alíquotas ou base de cálculo diferenciadas em razão da origem ou do destino de produtos em território nacional.
Para que fosse possível interpretar essa norma como uma exceção à regra geral de não incidência do IS sobre exportações, o texto deveria ser muito mais claro e explícito quanto à cobrança do imposto nesses casos. Como não foi essa a opção adotada pela Constituição, deve-se preferir a interpretação que mais intensamente concretize a norma antidiscriminação prevista no artigo 152, deixando clara sua aplicabilidade ao IS. Daí que, se o produto extraído for destinado à exportação, estará sujeito à imunidade do IS, na forma do §6º, inciso I, do artigo 153.
O fato de o imposto incidir no momento da extração — e não propriamente na exportação — não é razão para se afastar a imunidade. É que a interpretação das imunidades constitucionais deve ser ampla e generosa, conferindo-lhe máxima eficácia. Dessa forma, admitir a incidência do IS sobre a extração de um produto que é exportado, implica, em termos práticos, onerar fiscalmente a exportação, em afronta à diretriz constitucional. Dito de outra forma, não haveria diferença entre eleger o critério temporal exportação ou extração como fato gerador, sob o enfoque dessa regra de imunidade. Em ambos os casos, a exportação do produto seria onerada se houvesse a incidência e é por esse motivo que a imunidade se aplica também à extração de produto exportado.
A respeito da interpretação teleológica para maximizar a eficácia das regras de imunidade, a ministra Regina Helena Costa[1] afasta a “interpretação literal, destinada a estreitar, indevidamente, os limites da exoneração tributária”, ao fundamento de que “como garantia constitucional que é, a norma imunizante merece ser interpretada generosamente.”
Julgamento no STF
Em 2013, o Supremo Tribunal Federal julgou dois recursos extraordinários interpostos pela União, que objetivavam o reconhecimento da incidência de PIS e Cofins sobre receitas atreladas a operações de exportação: receitas decorrentes de variação cambial ativa – RE nº 627.815/PR; e receitas obtidas na transferência para terceiros de créditos de ICMS acumulados em razão de exportações – RE nº 606.107/RS.
Em ambos os casos, prevaleceu o voto da ministra relatora Rosa Weber pela incidência da imunidade do artigo 149, §2º, I, da Constituição, que abrange todas as receitas que decorram da atividade de exportação, ainda que de forma indireta. Isso por força da interpretação teleológica que o STF reiteradamente tem atribuído às imunidades tributárias, de modo a maximizar o seu potencial de efetividade. É ver trecho do seu voto no RE nº 627.815/PR: “firma-se nesta Casa jurisprudência pela adoção de modelo interpretativo que, ao perquirir sobre a abrangência do instituto [imunidade nas exportações], maximize a eficácia da norma constitucional.”
Veja-se que, para o STF, até mesmo uma operação que não é de exportação (a cessão no Brasil de créditos de ICMS), mas que se vincula à exportação indiretamente, deve ser desonerada pela máxima efetividade da imunidade.
Igualmente, esse raciocínio deve ser aplicado para que a extração de produto mineral exportado seja imune ao IS, como preconiza a Constituição.
Fonte: Tributário