O Congresso Nacional está prestes a resolver um dos maiores problemas fiscais do governo: o risco de um apagão orçamentário provocado pela reinclusão dos precatórios no limite de gastos do arcabouço fiscal.
Precatórios são dívidas do governo, com empresas ou pessoas, reconhecidas definitivamente pela Justiça. Caso o Senado Federal aprove a proposta de emenda à Constituição (PEC) 66/2023, os precatórios federais deixarão de ser contabilizados no limite de gastos do arcabouço fiscal a partir de 2026. Além disso, grande parte desses dispêndios ficará de fora da meta de resultado primário do mesmo arcabouço.
Na prática, a medida abre espaço no Orçamento, reduzindo a chance de colapso nas contas públicas. O governo, que antes teria de promover uma economia radical de recursos para conseguir pagar os precatórios dentro das regras, não terá mais esse compromisso.
A PEC 66 já passou pela Câmara e foi aprovada em primeiro turno no Senado, por 62 votos a 4. Falta apenas a votação em segundo turno e a consequente promulgação pelo Congresso para que as novas regras entrem em vigor — emendas constitucionais dispensam sanção presidencial.
O que muda no pagamento de precatórios com a PEC 66/2023
Pelas regras do arcabouço, que é o regime fiscal vigente, o aumento das despesas do governo não pode superar 2,5% ao ano em termos reais (descontada a inflação). É desse limite de gastos que o pagamento de precatórios será excluído de 2026 em diante, se a PEC 66/2023 for aprovada em definitivo pelo Congresso.
Mas o arcabouço também tem outra diretriz, que é a meta de resultado primário. A meta de 2025, por exemplo, é de resultado zero (nem superávit, nem déficit), mas com tolerância de 0,25% do PIB. A de 2026 é de superávit de 0,25% do PIB, com a mesma tolerância.
Pela sistemática de precatórios em vigor hoje, que é provisória, nem toda a despesa com eles entra na meta. Uma decisão do STF de 2023 (leia mais abaixo) autorizou o governo a pagar parte dos precatórios à margem da regra fiscal até 2026. Graças a essa autorização, no ano que vem quase metade da despesa total ficaria de fora das regras do arcabouço. A partir de 2027, porém, 100% do dispêndio voltaria à contabilidade.
A PEC 66 torna essa reincorporação muito mais suave. Com ela, a partir de 2027 os precatórios voltam a ser contabilizados na meta fiscal do arcabouço, mas a conta-gotas, com incorporação de 10% a cada ano. Assim, em 2027 apenas 10% do gasto com precatórios será incluído na meta (e não 100%, como era esperado). Em 2028, 20%. E assim por diante, até completar 100%. No curto prazo, é um alívio gigante para o governo.
Qual o custo do “favor” do Congresso com a PEC 66/2023
Esse “favor” do Congresso, no entanto, terá consequências. Gilberto Badaró, advogado especialista em precatórios e sócio do Badaró Almeida & Advogados Associados, afirma que a retirada dos precatórios da meta fiscal representa um retrocesso e traz instabilidade jurídica e fiscal, além de perda de credibilidade para o governo.
“Ao excluir essas dívidas da contabilidade oficial, o governo sinaliza que o cumprimento de decisões judiciais pode ser postergado conforme a conveniência fiscal, o que gera insegurança jurídica e enfraquece a confiança no Estado”, afirma.
A instabilidade prejudica diretamente os credores — pessoas físicas e jurídicas que chegam a falir diante do adiamento, por décadas, no pagamento dos precatórios. Além disso, causa desorganização no mercado, favorecendo deságios e desvalorizações abusivas.
“A medida afasta investidores do país, que enxergam com preocupação um ambiente onde até mesmo sentenças judiciais deixam de ser prioridade”, alerta Badaró, que ainda pontua que precatório não é gasto discricionário ou não obrigatório. “É dívida reconhecida pela Justiça e deve ser tratada com seriedade, como determina a Constituição”, conclui.
Além de aliviar o limite de gastos do governo federal, a PEC institucionaliza a prorrogação indefinida para o parcelamento de precatórios estaduais e municipais e permite que os entes subnacionais renegociem suas dívidas com o INSS em condições bastante amenas, entre outras benesses.
Precatórios eram “vilões” de apagão do governo a partir de 2027
O alívio para o Executivo com a retirada dos precatórios da meta fiscal se deve a estimativas de que, já em 2027, esses pagamentos passariam a corroer boa parte do orçamento das despesas discricionárias — ou livres — do governo federal.
Já naquele ano, o crescimento dos gastos obrigatórios e discricionários, somado ao volume de precatórios, colocaria em xeque a capacidade operativa do governo, que, por sua vez, resiste a cortar despesas e ajustar as contas públicas.
As ameaças eram de uma paralisia orçamentária, já que o Executivo não teria espaço fiscal para cumprir os pisos de educação e saúde, entre outros, como mostrado pela Gazeta do Povo.
Fonte: Gazeta do Povo