Modelo é um avanço em segurança jurídica
A Reforma Tributária (EC 132/2023 e LC 214/2025) introduziu alterações no regime de tributação do setor imobiliário e, dentre elas, o conceito de “redutor de ajuste”.
Visando assegurar a não cumulatividade, o redutor de ajuste diminui a base de cálculo do IBS/CBS sobre as alienações imobiliárias por contribuintes do regime regular. O racional desse mecanismo é de que o IBS/CBS deveria recair apenas sobre a valorização real em transferências futuras, a partir de 31.12.2026.
Porém, há um ponto controverso: como realizar o cálculo do redutor e, mais precisamente, qual é o valor do imóvel a ser considerado. É possível que haverá um contencioso sobre a atualização do valor fixado inicialmente para o cálculo do “redutor de ajuste”, questionando-se a permanência do valor em patamar inicial de venda ou eventual incorporação de valores de vendas posteriores ao cálculo do valor redutor. Explica-se.
O art. 257, §2º, da LC 214/2025, assim estabelece:
“§ 2º O valor do redutor de ajuste é composto:
I – por seu valor inicial, nos termos do caputdo art. 258; e
II – pelos valores dispostos no § 6º do art. 258.”
Já o §4º do mesmo artigo 257 esclarece:
“§ 4º Na alienação do bem imóvel, o redutor de ajuste:
I – será mantido com o mesmo valor e o mesmo critério de correção, no caso de o imóvel ser adquirido por contribuinte sujeito ao regime regular do IBS e da CBS;”
A leitura conjunta dos 2 dispositivos sugere que o “valor inicial” será sempre o mesmo, independentemente das operações futuras posteriores a 31.12.2026.
Imaginemos a hipótese em que João tem hoje um imóvel de 1 milhão de reais; ele vende esse imóvel em dezembro de 2028 por R$ 2 milhões de reais para Maria; por sua vez, Maria vende esse imóvel em dezembro 2029 por R$ 3 milhões de reais para Pedro. Qual é o valor redutor que Maria deverá utilizar: R$ 1 ou R$ 2 milhões?
De acordo com o art. 257, §4º, inciso I, da LC 214/2025, acima transcrito, o “valor inicial” a ser considerado no “redutor de ajuste” seria R$ 1 milhão.
No entanto, o art. 258, III, da LC 214/2025, permite outra interpretação, ao dizer que:
“Art. 258. O valor inicial do redutor de ajuste corresponde:
(…)
III – no caso de bens imóveis adquiridos a partir de 1º de janeiro de 2027, ao valor de aquisição do bem imóvel.”
Sob esse dispositivo, a conclusão no exemplo acima seria de um valor inicial de R$ 2 milhões.
Portanto, há claramente 2 interpretações contrapostas.
Conforme a primeira linha, só haveria uma hipótese que modificaria o valor base, que seria eventual alienação a não contribuinte, com posterior alienação deste para um contribuinte de IBS e CBS, conforme o art. 258, §4º, I, da LC, que fixa o valor de aquisição do novo contribuinte como redutor.
A segunda corrente é da incorporação de novos valores ao redutor a cada alienação, baseando-se em 2 argumentos centrais para fundamentar a interpretação do texto nesse sentido.
O primeiro diz respeito à redação do parágrafo 1º, inciso II, do art. 258, que ao prever a data de constituição do redutor de ajuste, naqueles casos de imóveis adquiridos após 1º de janeiro de 2027, refere o termo “data da operação”, o qual poderia indicar que cada alienação gera novo valor para o redutor, atualizado pelo IPCA, já que não há menção expressa à “primeira operação”.
Não se descarta que o legislador poderia ter sido mais claro ao dispor especificamente que estaria se referindo a um redutor fixado com base apenas no valor inicial da primeira alienação do imóvel.
Em contrapartida, ainda que a menção seja ampla, também não parece haver margem de interpretação que permita o aumento do valor do imóvel em todas as operações posteriores. A interpretação literal do artigo não leva à conclusão de que se possa considerar cada nova operação como base de fixação do redutor, mas sim uma data base para que se calcule incidência do IPCA.
Na mesma linha de raciocínio, é utilizado segundo argumento para defender a adoção de valores de cada alienação. O entendimento faz referência ao parágrafo 5º do art. 258, da LC 214/2025, norma antielisiva, justamente diante da possibilidade de uso do redutor em maiores patamares em eventuais alienações com valores inflados.
Explica-se: o parágrafo traz hipóteses (cumulativas) que limitam o redutor de ajuste apenas ao valor de aquisição, corrigido pelo IPCA, quando: (i) alienação ocorra em menos de 3 anos da aquisição; (ii) imóvel foi adquirido de contribuinte; e (iii) não haja comprovação de recolhimento de IR ou ITBI.
Aqui não há dúvidas de se tratar de norma antielisiva que limita o redutor de ajuste para casos em que o contribuinte deixe de recolher os demais tributos incidentes na operação.
No entanto, o dispositivo deve ser lido em complemento ao parágrafo seguinte (art. 258, §6º da LC 214), que trata justamente dos demais valores que podem ser adicionados ao cálculo do redutor de ajuste (ITBI, laudêmio e contrapartidas de ordem urbanística e ambientais).
Essa leitura conjunta esclarece que a regra é a inclusão dos valores de outros tributos que impactaram no valor do imóvel e que, justamente, a ausência de recolhimento atrai a regra antielisiva que obsta o uso dos valores destes tributos para inflar o valor do redutor de ajuste. A disposição da regra é coerente com o objetivo do legislador de que não exista uso de valores que não foram efetivamente recolhidos pelo contribuinte na operação.
Os defensores de um redutor de ajuste recalculado a cada operação entendem que na realidade a norma antielisiva cria uma exceção – que é a fixação do valor inicial do redutor – em contrapartida à regra geral que entendem ser a atualização do valor a cada valor relacionado às sucessivas alienações do imóvel, para evitar que o valor seja inflado com alienações simuladas.
Contudo, a leitura do art. 258, §1º, II e §6º com as interpretações expostas não sustentam o argumento de se recalcular o redutor a cada operação. Quando analisados todos os dispositivos que relacionam o redutor de ajuste, a conclusão mais coerente é aquela que considera o redutor a ser atualizado apenas com correção pelo IPCA ou em eventual alienação a não contribuinte.
O redutor de ajuste tem o objetivo de calibrar a não cumulatividade no setor imobiliário. Vinculado à primeira alienação e corrigido apenas pelo IPCA, garante estabilidade e previsibilidade ao contribuinte, ainda que não se desconheça que pode comprometer a equidade e gerar desafios práticos e jurídicos.
Os arts. 242 e 244 do PLP 68/2024 previam o redutor como crédito consumido em cada operação, até a venda a não contribuinte ou redução a zero. Essa lógica era ainda mais restritiva e conservadora da não cumulatividade, pois evitava que o mesmo imóvel gerasse deduções indefinidamente em múltiplas operações.
O exame do cenário anterior apenas reforça o argumento de que o redutor de ajuste agora se tornou mais benéfico ao contribuinte: constante em todas as operações da cadeia, ainda que com o valor inicial inalterado, sofrendo correção pelo IPCA.
Assim, conclui-se que tanto a redação do art. 257 da lei complementar, quanto a norma antielisiva presente no art. 258, parágrafo 5º, têm como objetivo a garantia do princípio da neutralidade, que não é suficientemente garantida nas operações de compra e venda de imóveis apenas por meio da aplicação da não cumulatividade.
Não se desconhece que, em cenários de grande valorização imobiliária, a fixação do redutor em valor histórico corrigido apenas pelo IPCA pode gerar efeito regressivo, beneficiando quem comprou o bem por valor menor e penalizando compradores posteriores, mas não houve qualquer inclusão de tratamento para fins de se evitar esse cenário pela LC 214/2025.
Por outro lado, o modelo garante previsibilidade: redutor fixo, atualizado pelo IPCA, evitando discussões sobre manipulação de valores. É um avanço em segurança jurídica, ainda que tensionado com neutralidade e isonomia.
Esse objetivo se mostra parcialmente cumprido com um redutor de ajuste com valor fixado pela primeira operação, com a correção do valor por meio da aplicação de IPCA e possibilidade de adição de valores pagos de ITBI e laudêmio, bem como, contrapartidas de ordem urbanística e ambientais.
Fobte: Jota