Nesta segunda-feira, dólar renovou recorde de fechamento, a R$ 6,09, mesmo após sucessivas intervenções do BC no mercado cambial
Em meio à disparada do dólar, o Banco Central fez uma série de alertas sobre o cenário econômico brasileiro na ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) da semana passada, divulgada nesta terça-feira. O BC destacou que a reação do mercado financeiro ao pacote fiscal apresentado pelo governo federal tornou o cenário inflacionário mais adverso, o que gera a necessidade de uma resposta mais dura em termos de nível de juros para o controle da inflação, cuja convergência para meta está mais desafiadora. Na última quarta, o BC subiu os juros para 12,25% ao ano, uma alta de 1 ponto percentual e uma só vez. Além disso, indicou mais duas altas na mesma proporção, o que farão os juros chegarem a 14,25% em março.
“A percepção dos agentes econômicos sobre o recente anúncio fiscal afetou, de forma relevante, os preços de ativos e as expectativas dos agentes, especialmente o prêmio de risco, as expectativas de inflação e a taxa de câmbio”, disse o Copom na ata. “Nota-se que tanto o prêmio de inflação extraído dos instrumentos financeiros quanto as expectativas de inflação se elevaram no período, tornando o cenário de inflação mais adverso e requerendo uma política monetária mais contracionista.”
Além disso, o BC afirmou que houve maior pressão inflacionária nas últimas leituras do IPCA, alertou para os perigos de um câmbio mais depreciado e sinalizou que a atividade e a política fiscal precisam desacelerar para um ambiente econômico saudável e para uma política monetária mais efetiva.
O Copom ressaltou que atualmente o consumo das famílias e os investimentos estão crescendo em um ritmo “bastante intenso” mesmo com os juros elevados. Na avaliação do comitê, os impulsos fiscais e de crédito estão mais fortes do que o esperado e são “elementos mitigadores” do impacto do juro para esfriar a economia e, assim, controlar a inflação.
“A manutenção de canais de política monetária desobstruídos, sem elementos mitigadores para sua ação, contribui para uma condução mais efetiva e mais eficiente.”
Juros mais altos
Nesse sentido, elevou a projeção da taxa de juros real (descontada a inflação) neutra (que não acelera nem reduz a inflação) de 4,75% para 5,0%. Na prática, o BC sinaliza que será necessário um juro mais alto para controlar a inflação.
Apesar de “notável resiliência”, o BC ainda espera uma desaceleração da economia com o aperto das condições financeiras, explicado pela piora dos ativos brasileiros. Para o Copom, a redução do hiato positivo do produto, indicador de economia sobreaquecida, é ” inerente ao funcionamento ordenado dos mecanismos de transmissão e ao atingimento da meta de inflação”.
“Com relação à política econômica de forma mais geral, o Comitê manteve a firme convicção de que as políticas devem ser previsíveis, críveis e anticíclicas. Em particular, desacelerações são parte essencial do processo de suavização e reequilíbrio da economia. O debate do Comitê evidenciou, novamente, a necessidade de políticas fiscal e monetária harmoniosas”, disse na ata.
Nesse contexto, o BC também alertou que é necessário um maior cuidado na concessão de crédito em um ambiente de alta de juros, com nível de inadimplência e comprometimento de renda elevados.
Decisão unânime
Na reunião da semana passada, o Copom, com o apoio de seus nove membros, decidiu acelerar o ritmo de alta de juros para 1 ponto percentual, de 0,50 ponto em novembro, elevando a taxa Selic de 11,25% para 12,25% ao ano.
Além disso, contratou mais dois aumentos da mesma magnitude para os encontros de janeiro e março, um “choque de juros” em meio à forte deterioração do cenário de inflação que surpreendeu as expectativas mais conservadoras do mercado financeiro. Caso cumpra o prometido, a Selic chegará a 14,25% no fim do primeiro trimestre de 2025, o maior patamar desde a crise do governo de Dilma Rousseff, que culminou no impeachment da presidente.
“O Comitê avaliou que houve uma deterioração adicional no cenário de inflação, como refletido nas expectativas e projeções de inflação. Concluiu-se que os determinantes de prazo mais curto, como a taxa de câmbio e a inflação corrente, e os determinantes de médio prazo, como o hiato do produto e as expectativas de inflação, se deterioraram de forma relevante. Tal piora demanda uma política monetária ainda mais contracionista.”
Na ata, o BC deixou claro que não só a decisão como a comunicação de mais duas altas de 1pp foram unânimes no colegiado. Diante das desconfianças em relação à próxima formação do BC, que terá a maioria de indicados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (sete dos nove diretores), encabeçado por Gabriel Galípolo, parte do mercado ficou em dúvida se a promessa de levar a Selic a 14,25% foi apoiada por todo o colegiado. Foi a última reunião de Roberto Campos Neto na presidência do BC.
“O Comitê então decidiu, unanimemente, pela elevação de 1,00 ponto percentual na taxa Selic e pela comunicação de que, em se confirmando o cenário esperado, antevê ajuste de mesma magnitude nas próximas duas reuniões.”
Segundo o Copom, a decisão foi tomada após a discussão sobre a necessidade ser mais tempestivo para manter o compromisso com a convergência da inflação à mera diante da forte deterioração de curto e médio prazo do cenário inflacionário e também com a conclusão de que há maior previsibilidade sobre o cenário “mais adverso” após a materialização de “vários riscos”.
Cenário mais adverso
Segundo o BC, os riscos à alta de inflação que se materializaram foram a resiliência da inflação de serviços, a desancoragem das expectativas e a depreciação cambial. Em relação ao câmbio, o Copom alertou que o repasse da alta do dólar para os preços de produtos e serviços no Brasil é maior quando a economia está mais forte, as expectativas de inflação estão desancoradas ou o movimento cambial é considerado mais persistente.
“Desse modo, o Comitê deve acompanhar de forma mais detida como se dará a transmissão da taxa de câmbio e das condições financeiras para preços e atividade”, disse, acrescentando que o real mais desvalorizado e a elevação dos juros futuros no mercado financeiro tornam o “ambiente mais complexo”.
Havia expectativa de que a alta forte e ininterrupta do dólar iniciada com a frustração com o pacote fiscal do governo federal cedesse com o choque de juros realizado pelo BC na semana passada. Isso até ocorreu na manhã do dia seguinte, mas durou pouco em meio às preocupações fiscais. Nesta segunda-feira, o dólar renovou seu recorde nominal de fechamento, a R$ 6,09, mesmo após sucessivas intervenções do BC no mercado cambial.
Pressão inflacionária
A autoridade monetária ainda fez um agravo em relação à sua avaliação sobre os dados recentes de inflação. O BC já vinha dizendo que havia sinais de interrupção do processo de redução da inflação , mas desta vez disse que observou uma ” maior pressão inflacionária nas últimas divulgações”.
O colegiado citou a elevação significativa dos preços de alimentos, devido à seca e à alta das carnes, e disse que esse aumento deve se propagar para o médio prazo “em virtude da presença de importantes mecanismos inerciais da economia brasileira”. Também afirmou que a depreciação recente do câmbio sugere maior aumento de produtos industriais nos próximos meses e que a inflação de serviços se elevou recentemente.
“Enfatizou-se que os vetores inflacionários se intensificaram desde a reunião anterior, como hiato do produto mais positivo, o mercado de trabalho ainda mais dinâmico, a nova depreciação cambial, a inflação corrente mais elevada e as expectativas de inflação mais desancoradas, tornando a convergência da inflação à meta mais desafiadora.”
De forma concisa, o BC afirmou que se deterioraram tanto os determinantes de inflação de prazo mais curto, como a taxa de câmbio e a inflação corrente, como os determinantes de médio prazo, como o hiato do produto e as expectativas de inflação.
As expectativas de inflação, que já estavam distantes da meta, se afastaram ainda mais após a frustração com o pacote fiscal do governo. A meta é de 3,0%, com intervalo de tolerância de 1,5% a 4,5%. O mercado financeiro já projeta descumprimento em 2024 e 2025. Para 2026 e 2027, as projeções ainda indicam resultado dentro da banda, mas longe do centro.
As projeções oficiais do BC não ficam muito atrás. São de 4,9% para 2024, 4,5% para 2025 e 4,0% para o segundo trimestre de 2026, período em que o BC atualmente trabalha para colocar a inflação na meta.
Efeito Trump
Na ata, o BC ainda disse que o cenário externo se mantém desafiador, “com incertezas econômicas e geopolíticas relevantes”.
Com relação aos Estados Unidos, o colegiado disse que permanece a incerteza sobre o ritmo da desinflação e da desaceleração da atividade econômica, mas acrescentou que a possibilidade de mudanças na condução da política econômica diante da recondução de Donald Trump à presidência também traz adicional incerteza ao cenário, “particularmente com possíveis estímulos fiscais, restrições na oferta de trabalho e introdução de tarifas à importação”.
“O cenário-base do Comitê segue sendo de desaceleração gradual e ordenada da economia norte-americana.”
Além disso, o Comitê destacou as recentes indicações de ciclos cautelosos de distensão monetária em vários países e disse que focará nos mecanismos de transmissão da conjuntura externa sobre a dinâmica inflacionária interna e seu impacto sobre o cenário prospectivo.
“Reforçou-se, ademais, que um cenário de maior incerteza global e de movimentos cambiais mais abruptos exige maior cautela na condução da política monetária doméstica.”
Fonte: O Globo